segunda-feira, 26 de abril de 2010

“A censura, a censura, única entidade que ninguém censura"

O Ato Institucional nº 5 (AI-5),de 1968, em seu artigo 5º Inciso III, proibia “atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política”, ou seja, qualquer tipo de discussão ou manifestação contra o regime acarretava na suspensão dos direitos civis. O Ato ficou vigente até 1978, quando o general Ernesto Geisel ainda era presidente. Com a entrada de João Batista Figueiredo, o último general-presidente do Brasil, começou o processo de abertura política e redemocratização do país.
Foi nesse contexto que algumas bandas de Brasília surgiram mostrando abertamente em suas letras, a indignação dos civis com o regime militar. Grupos como Plebe Rude e Aborto Elétrico (depois dividida em Capital Inicial e Legião Urbana) revolucionaram o Rock Nacional e incentivaram a população a se mobilizar pelo fim da censura imposta pelo AI-5.

“Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina “.

O trecho da música Veraneio Vascaína, da banda Aborto Elétrico retrata o medo que a população tinha da polícia quando ela chegava com sua “Veraneio Vascaína”. Aliás, O termo “Vascaína” é uma alusão às cores da Veraneio, que eram as mesmas da camisa do Vasco da Gama, preto, branco e vermelho.

“Eu decido o seu futuro
Eu e os meus fuzis
Minhas normas determinam
Seus direitos civis”.

A banda Plebe Rude, na música “Códigos”, ironiza o poder ilimitado dos generais, que podiam “decidir o futuro” do povo através da força de suas armas e de suas normas. Caso a população desobedecesse tais ordens, seus direitos civis (o direito ao voto e ao habeas corpus, por exemplo) eram cassados.
Em “Códigos”, o autor se coloca como se fosse um general, que por ter plenos poderes, debocha:

“Estou rindo de você,
Estou rindo de você,
o seu direito é me obedecer

[...] O que você faz escondido diverte, me faz rir
Você pode me subestimar, mas vou te punir

Estou rindo de você
Estou rindo de você
Você não é ameaça para mim”.

Já em “Censura”, também da Plebe Rude, pode-se notar que o ponto de vista retratado não é o dos poderosos do governo, mas sim do povo revoltado com a atividade do “censor com bisturi”, que não deixa nada que possa prejudicar a imagem do Estado se tornar público
“Contra a nossa arte está a censura
Abaixo a cultura, viva a ditadura
Jardel com travesti, censor com bisturi
Corta toda música que você não vai ouvir.”

A censura não obedecia a critério nenhum, as músicas podiam ser proibidas por motivos políticos ou simplesmente pelos censores não entenderem o que o autor queria dizer.

“Nada para ouvir, nada para ler
Nada para mim, nada pra você
Nada no cinema, nada na TV
Nada para mim, nada pra você”.

Porém, o argumento dos generais, segundo a música “Proteção”, era de que tanto a censura a todo tipo de arte quanto a truculência da polícia tinha por objetivo proteger a população, calando os opositores do governo para “manter a boa imagem do Estado”.

“A PM na rua, a guarda nacional
Nosso medo suas armas, a coisa não tá mal
A Instituição esta aí para a nossa proteção.

[...]Oposição reprimida, radicais calados
Toda a angustia do povo é silênciada
Tudo pra manter a boa imagem do Estado!”.

E como marca característica das músicas de protesto, o autor questiona a validade de tal postura da administração pública, embora continue afirmando que “tudo isso é para a sua segurança”:

“Até quando o Brasil vai poder suportar?
Código penal não deixa o povo rebelar
Autarquia baseados em armas não dá
E tudo isso é para a sua segurança”


Brunno Minelli
Constantino Nicholas
Marília Torello
Marina Sakovic
Rafael Abreu
Renan Palhares

6 comentários:

  1. As bandas surigiram num contexto de processo de abertura, sem a pressão do AI-5, mas não havia mais nenhum tipo de censura? Afinal o governo ainda era uma ditadura militar...

    (Bethânia)

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  2. Sim, ainda havia resquícios da censura, porém ela já estava mais "frouxa". Isso permitiu que tais bandas surgissem e estourassem tão rápido, pois transmitiam diretamente (sem o uso de metáforas, como fazia Chico Buarque) a revolta do povo cansado com a repressão dos militares. Um trecho como "Contra a nossa arte está a censura" era impensável na década de 60, por exemplo, quando Chico Buarque escreveu Cálice.

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  3. Sim, ainda havia censura, porém em menor intensidade e por esse motivo as bandas citadas conseguiram ter essas músicas divulgadas. Se fosse na década de 60 provavelmente essas músicas seriam censuradas, pois afinal são bem mais diretas e "pesadas" do que algumas dos anos 60.

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  4. (Bethânia disse...)

    É, não dá pra pensar nessas canções nos governos Costas e Silva, ou Medici, por exemplo.
    Interessante "medir" pelas produções musicais a intensidade da ditadura - se é que se pode falar em ditadura mais ou menos forte, mais ou menos liberal... A gente observa, inclusive, as letras. As músicas da década de 60, em pleno AI-5, precisavam de metáforas para tentar bular a censura. As que vocês nos apresentaram são diretas, falam dos fuzis, do veraneio e usam censura como nome de uma das músicas! Algo impossível de se fazer sem que houvesse conseqüências duras para os artistas.

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  5. Muito interessante como trabalharam a temática. Algumas considerações, porém, parecem-me pertinentes para que pensem em outro momento. Por exemplo, vocês apontam que o direito de voto era cassado, na realidade os direitos civis foram suprimidos, característica fundamental da ditadura. E o que penso deveria ter sido explorado é a questão da liberdade de expressão, o que isso significou, não só para a arte, manifestações musicais, como para a informação, já que os meios de comunicação eram constantemente vigiados. Lembrem que uma das principais características da democracia é a liberdade de expressão e a circulação irrestrita da informação. Por fim, que imagem queria o Estado passar? Ordem e Progresso? Para quem? Curioso que por motivos diferentes, hoje também se tem uma segurança armada.
    Adriana Martinez

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  6. Só para completar. Valeu Bethânia! O comentário incita a pensar como e porquê há essa mudança. Será que a classe empresarial multinacional (suporte ideológico da ditadura), a elite intelectual (mentores do golpe) já não estavam a fim de abertura? Afinal, o mundo estava em processo de mudança e a ameaça vermelha era fraca demais para os interesses internacionais. GOSTEI!!!!!
    Adriana Martinez

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